"Escoteiros vendem biscoito?" : a origem desse estereótipo
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De onde surgiu o estereótipo de escoteiros venderem biscoito?

12 fevereiro 2025

Se cada escoteiro recebesse um real cada vez que ouviu “mas vocês vendem biscoito?” provavelmente já teríamos muitos milionários entre nós. E embora muitos ainda revirem os olhos ao responder à pergunta, você sabe dizer o porquê esse estereótipo ficou tão forte no imaginário popular?

Girl Scouts mostrando sua barraca de venda de biscoitos em 1960 - Crédito: Girl Scouts of America
Girl Scouts mostrando sua barraca de venda de cookies em 1960 – Crédito: Girl Scouts of America

Essa história começa em 1917, cinco anos após Juliette Gordon Low fundar as Girl Scouts nos Estados Unidos, para financiar as atividades das tropas. A tropa Mistletoe — de Oklahoma — assou biscoitos e os vendeu na cantina de sua escola. Essa iniciativa deu tão certo que na década de 20 já tinha conquistado todos os EUA: isso porque em 1922, a revista The American Girl, publicada pelas Girl Scouts dos EUA, compartilhou uma receita e sugestão de preço de venda.

Nos anos 1930, transformaram essa venda em uma estratégia de marketing e arrecadação de fundos oficial, produzindo em grande escala. Esse cenário mudou durante os anos 40, devido à escassez de ingredientes causada pela Segunda Guerra Mundial e só voltou ao normal no final da década. As bolachas já haviam atingido outro patamar como negócio no início dos anos 50, e, com o crescimento dos subúrbios na América do pós-guerra, as meninas começaram a vendê-los em mesas montadas em shoppings (e é justamente daqui que vem aquelas cenas bem típicas que vimos em muitos filmes e séries). E a história continua até hoje!

Veja aqui a linha do tempo completa da história no site oficial das Girl Scouts

E por que essa pergunta do biscoito ainda é tão frequente mesmo aqui, na outra ponta do continente?

As Girl Scouts dos EUA têm mais de 100 anos de tradição com seus icônicos biscoitos, como essa prática é muito comum dos EUA, não é comum ver escoteiras (ou escoteiros) produzindo e vendendo biscoitos seja no Brasil ou em outros países.

Porém, devido à forte influência da mídia americana, é fácil (e esperado) que quem nunca teve contato com escotismo acabe assimilando essa prática com o Movimento e acabe reforçando esses estereótipos como prática geral do Escotismo, mesmo que em outros países. 

Mas você sabia que nós também já tivemos nossa própria produção de biscoitos?

Em 1986, no Rio Grande do Sul, foi realizada uma parceria dos Escoteiros do Brasil com a empresa Pavioli para produção e comercialização de bolachinhas com caixas exclusivas vendidos por escoteiros do estado do Rio Grande do Sul.

Todo o desenvolvimento teve o apoio da Secretaria de Indústria e Comércio do Estado, através do Secretário Substituto Antonio Carlos Hoff, que também desempenhava as funções de Diretor Financeiro da UEB-RS. Os fundos revertidos dessa ação tinham como objetivo pagar inscrição, deslocamento e outras taxas dos escoteiros envolvidos nas vendas para o Jamboree de 1986. 

A ideia era criar uma fórmula inédita, rica em vitaminas, e que com o apoio da Fundação de Ciência e Tecnologia do Estado (CIENTEC) também efetuasse as análises das matérias primas utilizadas na confecção dos biscoitos. Foram finalizadas duas fórmulas: uma amanteigada e outra com sabor de amendoim. 

Embora o preço fosse relativamente alto, havia uma justificativa: os biscoitos eram de alta qualidade e considerados artesanais. Em valores atualizados, cada caixa era vendida por cerca de R$ 13,00, com um custo aproximado de R$ 4,00. O resultado líquido de R$ 9,00 por unidade era distribuído da seguinte forma: R$ 3,00 para a Região Escoteira, R$ 1,50 como crédito para o jovem na Loja Escoteira e R$ 4,50 destinados ao Grupo Escoteiro.

O projeto iniciou em 1985 com as tratativas, mas foi a público em 86. A “Campanha do Biscoito” , em 1985, que se desenvolveu até o início de dezembro — quando foi encerrada — possibilitou o pagamento total ou parcial de taxas para o Jamboree do Cone Sul e Brasil para várias centenas de escoteiros. Foi vendido um total de 44.453 caixas por 51 Grupos Escoteiros.

Documentos oficiais do lançamento da Campanha do Biscoito Escoteiro, no Boletim Quero-quero da Região Escoteiro do RGS nº 83 de junho/1986.

Até o dia 31 de julho já havia sido vendidas as primeiras caixas da “Campanha do Biscoito Escoteiro”! 

Os grupos campeões de venda até essa data foram: 

  • Bento Gonçalves — com 2.360 caixas 
  • 8º Distrito Escoteiro de Erechim — com 2.000 caixas
  • Isaac Bauler — com 1.800 caixas
  • Léo Borges Fortes — com 1.600 caixas
  • Cruzeiro do Sul (São Leopoldo) — com 1.540 caixas
  • Georg Black — com 1.300 caixas
  • Tabajara (São Marcos) — com 1.000 caixas
  • Marechal Rondon — com 991 caixas
  • Albert Shweitzer — com 800 caixas
  • 3º Distrito de Taquari — com 562 caixas

Para dar continuidade a campanha foi encaminhado a empresa Paviolli um pedido de mais 15.000 caixas no valor correspondente a hoje R$ 20.000,00. Definitivamente um sucesso!

A embalagem foi criada pela empresa Centro Propaganda, cujo sócio era o escotista Diki Schertel, e estampava atividades escoteiras do Grupo Escoteiro Isaac Bauler, em fotos tiradas no Parque Saint Hilaire.  Coincidentemente, no final da campanha, o campeão de vendas foi esse mesmo grupo! 

O 2º lugar ficou com o GE. Bento Gonçalves, também de Porto Alegre, e o 3º com o GE. Tibiriçá, de Canoas. Fora do pódio, mas ainda assim com um desempenho notável: o 4° lugar do GE. Georg Black, também da capital gaúcha, e o 5º lugar do GE. Cruzeiro do Sul, de São Leopoldo.

A caixa personalizada trazia o espírito escoteiro! – Imagens: acervo pessoal de Lídia Cordeiro (Reg UEB 53742-0)

Com o sucesso de vendas de 45.000 caixas de biscoitos comercializadas, aproximadamente 500 escoteiros tiveram suas taxas (sejam totais ou parciais) cobertas pelo valor arrecadado, assim, podendo participar do Jamboree Farroupilha, que aconteceu no Parque Osório, no início de 1986. A campanha continuou em 1987, vendido outro lote com essa mesma quantidade de caixas; porém, infelizmente, não há dados referentes a esta venda e como se processou os resultados.

Segundo Antonio Carlos Hoff, o que se sabe é que foram vendidas caixas de biscoito para diversos Grupos do Brasil, e os resultados mostram que a maior parte dos valores foi destinada diretamente aos próprios Grupos ou aos jovens participantes. Esses recursos foram utilizados de diferentes formas: alguns Grupos construíram ou ampliaram suas sedes, outros investiram em materiais de acampamento, e muitos jovens usaram sua parte para adquirir uniformes e equipamentos individuais ou realizar compras na Loja Escoteira.

Considerando uma venda total de 90 mil caixas, os impactos financeiros foram significativos:

  • R$ 405.000,00 para os Grupos Escoteiros;
  • R$ 270.000,00 para a Região Escoteira;
  • R$ 135.000,00 em créditos para os jovens, valor que permitiria a aquisição de aproximadamente 1.000 uniformes.

Se você conhece algum representante de empresa do ramo alimentício que possa ter interesse nessa parceria, indique o Empresa Amiga! Quem sabe essa não é uma deixa para retomar esse projeto? 😉🍪

Mas e agora? Como os Escoteiros ganham dinheiro para seus grupos e atividades?

Aqui no Brasil, dificilmente você verá escoteiros fazendo venda de porta-em-porta; por não ser algo cultural nosso, sendo mais comum organizar um evento ou encontro em casa para esse fim, mas também para a segurança de quem está vendendo.

A arrecadação de fundos são descentralizadas, sendo iniciativa de cada Unidade Escoteira Local. Mas dentre as mais populares (e eficazes) estão:

  • Bazares: sejam roupas, sapatos, artigos de decoração e outras infinidades de artigos usados, mas que estejam em boas condições. Os bazares são ótimos para a sustentabilidade e economia, fazendo com que algo que não sirva mais para um seja extremamente útil para outro, além de trazer o lucro desejado.
  • Artesanatos: nada melhor que unir talentos para trazer suas artes (e recursos) para dentro da sua UEL. Essa ação apoia o Movimento e os microempreendedores — muitas vezes sendo um grupo de mães dos Escoteiros — que expõe seus trabalhos, seja presencialmente ou online (por marketplace ou outra plataforma de compras e vendas).
  • Bingo: é um dos jogos mais conhecidos do Brasil, e já popularizado por diversos bazares e eventos. Além de divertido, é uma ótima oportunidade para arrecadar recursos e deixar alguns sortudos felizes com os prêmios.
  • Rifa: também muito popular em todo país, as rifas podem ser feitas online ou por meio de bloquinhos; ofereça um prêmio bacana para fazer com que sua rifa venda mais.
  • Venda de alimentos: são uma das melhores formas de arrecadar fundos! Ofereça dias temáticos (como “Dia do Hambúrguer”, “Tarde do Pastel”, “Festa do Sorvete”, dentro outros) e convide seus amigos e familiares para participar. Lembre-se que lidar com comida exige uma série de cuidados, então veja aqui a cartilha da ANVISA de boas práticas com alimentos.

Os Escoteiros do Brasil reuniu diversos documentos sobre arrecadação de fundos neste link, assim, fica mais fácil de fazer um planejamento financeiro para alcançar seus objetivos. Por exemplo: sua UEL quer arrecadar verba para custear a alimentação ou parte da inscrição de sua tropa em algum evento — aqui você já tem uma data limite (dia do evento ou dia de encerramento de inscrições) e um valor estimado como objetivo; dessa forma, podem planejar eventos, rifas e afins para conseguir atingir (ou até dobrar) essa meta. 

Com tudo isso finalizado, você já sabe responder o porquê os cookies de escoteiros não são vendidos aqui no Brasil e, finalmente, podemos ir em direção a debates mais importantes, como: o certo é biscoito ou é bolacha? 

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